Posto abaixo texto publicado ontem no blog do Nassif sobre uma experiência vivida por uma dirigente da Funabem na década de 80. Ao que tudo indica, só pioramos de lá pra cá e, talvez, seja muito difícil retomar essas estratégias de humanização do tratamento. A coisas se complicaram em todos os sentidos. Será que ainda é possível? Quais os caminhos? Discutamos...
Cenas da Febem
Enviado por: Ivanisa
Em 1985 fui diretora de uma unidade de internação da FUNABEM, considerada o "fim do túnel" ou "o esgoto"para todo jovem infrator que ali era internado. Eram 250 rapazes. Havia de tudo: jovens que cometeram crimes a sangue frio, jovens desequilibrados, epilépticos, homossexuais que cortavam os próprios pulsos, todos participando da mesmas atividades, e dormindo em grandes dormitórios. Havia também instrutores que ensinavam um ofício, professores que ensinavam até a oitava série, professores de teatro, de música, aulas de capoeira, futebol e natação. Médicos, assistentes sociais, psicólogos. E monitores violentos. O chefe de disciplina havia se tornado um sujeito muito violento. Com o tempo, depois de muitas crises e medidas, fugas em massa, foi possível mudar o quadro. Eram feitas assembléias com a participação de todos: jovens, técnicos, professores, instrutores,monitores que tinham o mesmo direito à voz. E debates com convidados de fora sobre mercado de trabalho, educação e projeto de vida. Os jovens tinham consciência que ao passar por lá estariam estigmatizados pela sociedade e as gangs e os grupos os obrigariam a voltar ao mundo do crime. Acredito que a metade deles não sobreviveu. Vários episódios aconteceram que vale a pena contar. Vou comentar dois deles nos próximos espaços.Entre esses jovens havia um que tinha feito um assalto à mão armada com uma arma de brinquedo. Seu período de internação estava terminando. Mas o Juiz de Menores não queria o seu desligamento. Seu pai contratou um advogado para acompanhar os autos do processo. Mas o Juiz não permitia que ele tivesse acesso. A meu pedido, finalmente o advogado pôde acompanhar e pedir seu desligamento. Mas o Juiz pediu um exame de periculosidade que era feito por uma instituição manicomial. Esse exame levava seis meses. Diante da situação, conseguimos que fôsse feito em 15 dias e o resultado saísse em mais 15 dias. O jovem não foi considerado perigoso. Chamei ele à minha sala para informar do seu desligamento. Mas para meu espanto ele ficou quieto, taciturno. Perguntei se não era isso que ele queria. E ele muito sem graça disse: "Tia, dá para eu ficar mais um mês para terminar a oitava série?" Outro episódio foi o do chefe da disciplina que havia chegado cheio de ideais à unidade e se tornou muito violento. Um dia soube que haviam trancafiado alguns jovens que participaram de uma fuga em massa, depois de terem apanhado com "porretes". Reuni todos os monitores e disse que não continuava. Um deles deu um passo à frente e pediu que eu continuasse, mas disesse o que eu queria, porque eles não estavam entendendo. Para encurtar a história eles assinaram um documento de que não iriam mais usar de violência contra os jovens. Dois anos depois, o chefe da disciplina apareceu na coluna do Zózimo Barroso do Amaral, sob o título: Desobediência Civil. Ele estava sendo carregado nos ombros pelos jovens, outros jovens já de outro período, porque a direção da FUNABEM, que havia mudado, queria dispensá-lo. Os jovens e todos os funcionários queriam que ele permanecesse. Foi a primeira vez que esse mundo da violência saiu em uma coluna social e não nas páginas policiais. Por que será? Podem pesquisar nos arquivos do Jornal do Brasil. Há muito mais pra contar, mas foi a experiência de vida que mais me ensinou a entender o ser humano e a violência que se encontra em cada um de nós. O menino morreu de uma forma hedionda, o líder da ação criminosa foi jogado numa cela suja e sem luz. E o Congresso discute a redução da maioridade penal e a prisão perpétua, quando esses jovens já morreram, foram transformados em monstros. De quem é a responsabilidade?
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terça-feira, 13 de fevereiro de 2007
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