sábado, 31 de março de 2007

43 anos depois de 64

Hoje é dia: 31 de março. Há 43 anos, nessa data, os militares brasileiros, como forte apoio social e com pouca resistência; aliás praticamente nenhuma, derrubaram um governo constitucionalmente legal e jogaram o Brasil em uma longa noite de terror, agravada pelo golpe dentro do golpe dado em 1968. Tristes recordações. A boa notícia é que neste ano os comandantes militares, ao contrário de todos os anos anteriores desde 64, decidiram não divulgar a famosa nota oficial auto-elogiosa ao golpe. Menos pior. Para marcar a data, transcrevo abaixo o belo e longo poema de Tiago Melo, poeta amazonense, redigido logo após o golpe, diretamente do exílio no Chile. Belo e esperançoso. Vale a pena lembrar:

"Estatutos do Homem
(Ato Institucional Permanente)
A Carlos Heitor Cony
Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.
Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.
Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.
Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.
Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.
Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.
Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.
Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.
Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.
Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.
Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.
Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.
Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.
Thiago de Mello
Santiago do Chile, abril de 1964"

sexta-feira, 30 de março de 2007

A poesia nos alivia

Não sei quantas almas tenho
Fernando Pessoa
"Não sei quantas almas tenho.Cada momento mudei.Continuamente me estranho.Nunca me vi nem acabei.De tanto ser, só tenho alma.Quem tem alma não tem calma.Quem vê é só o que vê,Quem sente não é quem é,Atento ao que sou e vejo,Torno-me eles e não eu.Cada meu sonho ou desejoÉ do que nasce e não meu.Sou minha própria paisagem;Assisto à minha passagem,Diverso, móbil e só,Não sei sentir-me onde estou.Por isso, alheio, vou lendoComo páginas, meu ser.O que sogue não prevendo,O que passou a esquecer.Noto à margem do que liO que julguei que senti.Releio e digo : "Fui eu ?"Deus sabe, porque o escreveu."

Racismo na UNB

"Primeiro, eles vieram atrás dos comunistas.E eu não protestei, porque não era comunista.Depois, eles vieram pelos socialistase eu não disse nada, porque não era socialista.Mais tarde, eles vieram atrás dos líderes sindicais.E eu calei, porque não era líder sindical.Então, foi a vez dos judeus.E eu permaneci em silêncio porque não era judeu.Finalmente, vieram me buscar.E já não havia ninguém para protestar."(Martin Niemoller, pastor protestante alemão, sobre os nazistas durante aSegunda Guerra Mundial)
Sinal dos tempos? Na UNB, Universidade Nacional de Brasilia, idealizada pelo Darcy Ribeiro e considerada uma das melhores do país, um episódio lamentável e perigoso. Colocaram fogo, à noite, nas portas dos alojamentos de estudantes africanos que estão estudando através de convênio naquela Universidade. Espera-se apuração e punição ao troglotidas envolvidos. Esse é um exemplo que não pode prosperar. Já assistimos a este filme.

nada do que é humano me é estranho

Abaixo o post irretocável de Carlos Brickmann sobre o triste episódio da prisão nos EUA do rabino Henry Sobel. Ao que tudo indica, ele vem passando por um problema grave de pertubação mental. Ao que devemos lembrar da frase que dá título a esse post. Ela é da lavra do romano (antigo, do Império) Terencio e foi citada pelo também antigo Karl Marx. É uma ode à tolerância e à compreensão dos nossos limites, miseravelmente humanos.

"O roubo e o rabino
Quando Vladimir Herzog foi torturado e morreu na prisão da ditadura, trêsreligiosos comandaram a reação popular que culminaria com a volta àdemocracia: o cardeal d. Paulo Evaristo Arns, o reverendo Jaime Wright e orabino Henry Sobel. Quando, de acordo com o laudo oficial da morte,Vladimir Herzog seria enterrado na ala dos suicidas do Cemitério Israelitado Butantã, o rabino Sobel interveio, rejeitou a tese oficial do suicídioe garantiu um sepultamento normal. Quando muita gente foi marcada paramorrer pelos torturadores, o rabino Henry Sobel participou da montagem deum esquema para salvá-los, tirando-os do país. Quando se decidiu registrarpara a História o que ocorreu na época das torturas, no livro Brasil NuncaMais, um jornalista, Ricardo Kotscho, e três religiosos, d. Paulo, oreverendo Jaime Wright e o rabino Henry Sobel viabilizaram o projeto.O que aconteceu com as gravatas é visivelmente o resultado de um surto: umproblema mental – que, esperamos, seja temporário – ou derivado deremédios levou o rabino Henry Sobel a um ato ilegal, idiota, sem sentido.Um incidente lamentável, mas uma nota de pé de página numa biografia quaseimpecável." http://www.brickmann.com.br/

quarta-feira, 28 de março de 2007

sobre negros e brancos

Infeliz. Esse o melhor adjetivo para a declaração "não é racismo quando um negro se insurge contra um branco", dada pela Ministra da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro. De cara ela contraria -a declaração- o próprio nome da Secretaria. Afinal não é para promover a igualdade racial que ela foi criada? Mas claro, que o buraco é sempre mais em baixo. Óbvio que o Brasil, que foi o último país do mundo abolir a escravidão tem uma dívida histórica enorme e terrível para com os negros. É uma chaga que não pode ser esquecida, não por sentimento de culpa, mas principalmente porque as consequências pesam até hoje em nossa sociedade, que permanece racista, discriminadora e excludente em relação aos pobres, sejam eles negros ou brancos, mulatos ou cafusos. No entanto, resumir o problema hoje a um conflito racial é, no mínimo, demagogia. E, no máximo, temerário. A Ministra, responsável por promover a igualdade racial, foi além. Para ela, é natural um negro não querer conviver com um branco, pois "quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou". Ai foi demais. Primeiro, por óbvio, que uma geração não é responsável direta pelo que se fez em outras gerações. Segundo, a boa historiografia mostra que, infelizmente, parcelas dos negros africanos se beneficiaram da escravização de seus "irmãos" e, muitas vezes, contribuíram diretamente na captura dos futuros escravos. Assim, é triste ver a simplificação contida nas infelizes palavras da Ministra.

segunda-feira, 26 de março de 2007

fundamentalismo apedreja mulheres

Assim caminha a humanidade:

"Sudanesas são condenadas à morte por apedrejamento
Agência ANSA
Terça-feira, 20/03/2007 - 22:31
Cartum - Duas mulheres sudanesas foram condenadas à morte por apedrejamento por terem cometido adultério, ao final de um processo em que não foram auxiliadas por um advogado e que foi julgado em árabe, que não é a língua-mãe das sudanesas, conforme informou hoje a Anistia Internacional, organização sediada em Londres que defende os Direitos Humanos.Sadia Idriss Fadul foi condenada no dia 13 de fevereiro, e Amouna Abdallah Dldoum no dia 6 de março. As sentenças podem ser executadas a qualquer momento, segundo um comunicado da organização.As duas mulheres pertencem a uma tribo que não fala árabe, mas os processos, realizados no estado central de Ghezira, se desenvolveram em árabe e sem a presença de intérpretes.A Anistia Internacional acrescentou que "uma das mulheres, Sadia Idriss Fadul, está com um de seus filhos na prisão com ela".O homem que foi processado com Fadul foi solto porque não havia provas suficientes contra ele."
Esses julgamentos e condenações ABSURDAS são comuns em vários países que seguem, ortodoxamente, o islamismo, como a Nigéria e o Irã. É ou não é um prato cheio para questionarmos o relativismo cultural que tenta aparecer como politicamente correto, com um discurso de respeito à todas as culturas etc etc etc?

sexta-feira, 23 de março de 2007

Ah, os postos

Coisa curiosa. Há duas semanas atrás o capitalismo funcionava em Belo Horizonte que era uma maravilha. Calma, refiro-me apenas aos postos de gasolina. Uma competição danada de boa. Preços que variavam de R$2,499 a R$2,018. Era só procurar o posto com o preço menor, encher o tanque e correr para o abraço. De repente, há uma semana, uma surpresa. TODOS os postos praticavam o mesmo preço. O menor? Não idiota, o maior. É a economia, estúpido, como dizia o nosso -digo, deles-, consultor de marketing do Clinton, James Carville. Antigamente dava-se a isso o nome de cartel. Aliás, o mais publicável deles. Até agora, além de um inquérito do Ministério Público par apurar a "possível formação de cartel", nada. Adam Smith, aquele que dizia que era melhor proibir os empresários de frequentarem o mesmo Clube, para não que não combinassem preços, deve estar se revirando no túmulo. Isto é que é auto-suficiência!!!

quarta-feira, 21 de março de 2007

Sobre a TV estatal, ou como se confundir cinta com funda

Ah, eis o velho tema de volta. O governo Lula anunciou, através do indefectível ministro Hélio Costa -ex fantástico-, a intenção de se unificar as diversas estruturas de TV "pública" espalhadas pelo país em uma só, que daria origem a uma rede nacional do poder executivo brasileiro. Foi o que bastou para o estouro da boiada. Veja, Estadão, Globo, Folha, etc etc, caíram de pau e, como sempre fazem quando o assunto tangencia a questão de quem pode e de quem não pode informar/formar no Brasil, misturam tudo, distorcem e acusam uma ameaça à liberdade de imprensa. Ora, vamos com calma. Primeiro, que todos os poderes já possuem algum meio de comunicação que divulga suas ações e projetos. Normal. Segundo, que todos os governos no mundo também fazem algum tipo de imprensa oficial. Normal. Terceiro, que ninguém é obrigado a assistir o que não quer. Alás, um parênteses: não são estes mesmos veículos que martelam sempre na liberdade de escolha dos leitores/telespectadores quando se discute qualquer normatização para o setor. Fecha-se o parênteses. Quarto, que a idéia não colide em nada com a permanência do setor privado de distribuição de notícias. Estrutura-se somente uma, digamos assim, uma voz oficial, que concorrerá com as outras vozes. Ou com os donos das outras vozes. Normal. Quinto, por que a gritaria então. Normal. O uso do cachimbo deixou muitas bocas tortas. Cismaram que receberam um mandato divino como monopolizadores da informação, da edição e da formação de opinião. Normal.

quarta-feira, 14 de março de 2007

reforma política e a vox populi, vox dei

A Fundação Perseu Abramo, ligada politicamente ao PT, divulgou recentemente uma extensa pesquisa de opinião, realizada em dezembro passado, sobre um conjunto de temas políticos brasileiros. Dois dados chamam a atenção dos analistas e curiosos em geral. O primeiro é que em sua ampla maioria os eleitores não querem saber de reforma política. Aparentemente, estão satisfeitos com a legislação e as normas atuais. Nada de fidelidade partidária, nada de financiamento público de campanhas, nada de lista fechadas por partidos, nada de voto distrital etc etc etc. Curioso ? Será que estes dados refletem a distância que separa o pensamento político e a população? Ou será que falta debate e esclarecimento e estaríamos vivendo o mesmo tom da discussão sobre a chamada transposição do velho chico. Em que se fala muito e não se esclarece nada. Nem os que são a favor, nem os que são contra. E os argumentos são puramente "emocionais"? O segundo é que apesar de ver no PT um número maior de "corruptos", o partido continua sendo o mais citado como preferido pelos eleitores. De novo um problema, um paradoxo ou a mesma confusão conceitual sobre tudo. A questão é saber até que ponto o debate racional é possível nos chamados espaços públicos existentes no país: jornais, rádios, tvs, internet, partidos etc. Voltaremos ao tema.

terça-feira, 13 de março de 2007

voltei 2

Acho que foi o velho e embalsamado Wladimir Illich Ulianov, o Lênin, quem teria dito que não haveria diferenças entre fundar ou assaltar um banco. Sei não, mas que no Brasil a frase pode ter lá suas razões, isso tem. A Folha de domingo e outros jornais trouxeram matérias sobre os lucros bancários no país e, pasmem, as tarifas praticadas por estas instituições filantrópicas subiram estratosféricamente nos últimos anos. Anos de inflação baixíssima e juros caindo. A receita de tarifas bancárias do Unibanco aumentou 629% em termos reais entre dezembro de 1993 e o mesmo mês do ano passado. A do Itaú, 491%. A do Bradesco, 351%. E a do Banco do Brasil, 247%. Nem vou me dar ao trabalho de quantificar isto em milhões de reais. Iria cansá-los sobremaneira. Mas é muito dinheiro, que eu você, todos nós pagamos religiosamente à banca. Um bom exercício seria levantarmos aonde estão trabalhando os ex-ministros da fazenda de governos anteriores, ex-presidentes do Banco Central, ex-diretores do mesmo banco etc etc etc. Durma-se com este barulho. Voltaremos ao assunto.

voltei 1

Após uma longa e tenebrosa ausência, motivada por problemas técnicos quase insolúveis, voltei. Claro que isto não causou nenhuma comoção, ao contrário: meus pouquíssimos leitores talvez nem tenham se dado conta de tão insignificante acontecimento; ou não-acontecimento. Bom, mas já que voltei, espero não decepcionar os poucos, porém bons. Hoje acordei disposto a esculhambar a mediocridade. E para isto, nada melhor que a notícia que foi publicada hoje na bbcbrasil.com.br. Na Inglaterra, uma pesquisa indicou o Paulo Coelho com um dos 7 autores mais comprados e menos lidos no velho reino unido. Explica-se. A pesquisa mostra que mais de 70% dos compradores de livros têm um objetivo muito claro ao comprá-los: decoração. Confesso que na minha juventude li de tudo, ainda leio. Li inclusive o "Diário de um Mago", movido pela novidade e pela curiosidade. Que fui perdendo, perdendo, perdendo. Hoje se me falam da "literatura" de PC, "saco logo o revólver", como diziam todos os que são anti-cultura. Eu, humildemente, sou apenas contrário à pseudo-cultura, travestida de consumo de massa; e, claro, uma amante da cultura, em geral.